Fascina-me a tradição das passas ao virar do ano. Subir para uma cadeira com 12 passas e mastigá-las a cada badalada. Cada uva seca representa uma nova oportunidade. Com alguma sorte, calham-nos sultanas. Assim não atrapalhamos a cadência do processo. Depois, cuidado com o pé com que se desce da cadeira, não vá o esquerdo desfazer os desejos!
Pedimos. A algo ou alguém superior, ao divino, ao universo ou a nós próprios. Para alguns, o ato de pedir descansa do trabalho de fazer. Os seus desejos ficam entregues ao acaso alimentados pela crença na superstição que com alguma sorte claro, fará o resto do trabalho.
Temos ainda as resoluções do ano novo. Há quem junte as duas coisas. As mais fáceis, surgem em forma de check list: inscrever-me no ginásio, emagrecer 5 Kg, correr uma maratona, terminar o mestrado. São também estas as que mais rapidamente nos condenam ao insucesso.
Não ascendemos ao nível dos nossos objetivos. Mas descemos ao nível dos nossos sistemas. Refere James Clear, autor do famoso livro Hábitos Atómicos. Ou seja, são os hábitos e não os objetivos que determinam os nossos resultados atuais e futuros. São os hábitos que alimentámos nos 6 meses anteriores que nos trazem para onde estamos hoje. Portanto de acordo com o autor, a solução passa não por definir objetivos mas sim por criar hábitos.
Voltando às resoluções do ano novo, se tenho como objetivo inscrever-me no ginásio, a partir do momento em que concluo a inscrição, alcancei o objetivo 😉 E se correr uma maratona? Termina a prova e já está. Missão cumprida. E agora?
Não admira que tantas pessoas sintam um vazio tão grande após alcançar um feito grande e ambicioso como defender a tese de doutoramento. Ou comprar o carro dos sonhos. Colocamos o nosso esforço e foco nesse objetivo, afunilando toda a nossa vida para esse fim. E como não há mais nada, quando o objetivo é alcançado, deixamos de ter a luz ao fundo do túnel. Ficamos vazios de sentido e de propósito. Há algo de profundamente errado nisto. Na forma como tantas vezes definimos metas para alcançar ligado a um fim que se encerra em si próprio.
Sobre o exemplo do ginásio, e se em vez de inscrever-me no ginásio o meu objetivo estiver relacionado com o tipo de pessoa que quero ser?
Há um ano atrás fiz exatamente isto. A minha resolução de ano novo foi: eu quero ser uma pessoa fit e ativa, que pode fazer sprints para apanhar o autocarro, sem ter um colapso pelo esforço. Pensei de seguida: como é que se comporta uma pessoa fit e ativa? Pratica desporto todos os dias. Decidi fazer isso mesmo. Dedicar todos os dias pelo menos 20 minutos à prática de exercício físico. Como não esgotei o meu objetivo em algo fechado, é fácil encontrar alternativas de treino em qualquer circunstância. Criei outros hábitos que aprendi na altura com Robin Sharma. Como a sua famosa fórmula 20/20/20 ou o 5 am Club que mantenho até hoje. Com algumas adaptações nomeadamente na hora de início 😉 Este novo hábito, transformou-se num não negociável. Organizei toda a minha rotina diária para que este hábito estivesse presente. Tive dias em que acordei antes das 5h. Foi difícil? Muito! Não tenho um acordar fácil. Desafiar-me a sair da cama com o despertador e recalibrar o meu relógio biológico, foi talvez das coisas mais difíceis. Mas ao fim de um ano e já sem pensar nisso, este tornou-se num hábito diário como outro qualquer – como lavar os dentes, andar de máscara ou desinfetar as mãos.
Os resultados são de tal forma surpreendentes que se não tivesse passado pela experiência, teria dificuldade em acreditar. Desde o início de 2021 até hoje, só estive 9 dias sem treinar. E todos eles foram premeditados. Durmo melhor do que nunca, deixei de sentir as dores crónicas nas costas que me acompanhavam há mais de 5 anos. Pelo caminho, fui finalista de um dos ultra-trails mais difíceis de Portugal. Sendo desportista toda a vida, é a primeira vez que alcanço resultados destes. Através de um simples hábito que decidí implementar para a vida.
James Clear refere que antes de melhorarmos um hábito, temos primeiro que o estabelecer. Às vezes estipulamos resultados ambiciosos sobre o que queremos alcançar no ginásio ou em outras arenas da vida, sem termos primeiro implementado hábitos.
Todas as ações que tomamos, são como um voto para o tipo de pessoa em que desejamos transformar-nos.
Planear ajuda-nos a idealizar cenários e a gerar possibilidades. Mas se for a única coisa que fazemos, pode transformar-se na sua própria forma de procrastinação.
Quando argumentamos não tenho tempo, isso comigo não dá, não vai resultar… é a nossa resistência à mudança a falar. O desconforto de abraçar o novo, o desconhecido.
Todos adoramos transformação, mas na realidade ninguém quer mudar!
Portanto deixo-te algumas sugestões para as resoluções do ano novo:
1. Em vez de uma check-list de coisas que queres alcançar, escreve sobre o tipo de pessoa que queres ser. Como se comporta essa pessoa. Que hábitos tem. Escolhe um novo hábito alinhado com a pessoa que queres ser, fácil de implementar e que possas praticar regularmente. De forma consistente.
2. Se gostas de fazer planos a médio e a longo prazo, esquece os objetivos a um ano. Pensa antes na vida que queres ter e na pessoa que desejas ser daqui a 3 anos. Nós sobrestimamos o que conseguimos alcançar num ano, mas subestimamos o que somos capazes de alcançar em três.
3. Em vez de pedir agradece. A gratidão que os outros demonstraram por ti. Vive e revive momentos do teu passado recente em que foste reconhecido por seres quem és ou pelo que fizeste por alguém.
Noutra altura, falarei sobre a ciência da gratidão e porque é que esta forma concreta é tão mais eficaz.
4. Sobe na mesma para cima da cadeira e come as 12 passas ou sultanas. Dá largas à imaginação e pede. Ao universo, ao divino, a quem quiseres. E mantém viva a tradição 😉
Porque há coisas na vida que devem mesmo ser deixadas ao acaso.
Um abraço e Boas Festas!
____
Sabes que tenho uma Newsletter semanal chamada Conversas com o Medo ? Convido-te a Subscrever se achares que (re)aprender a relação com o medo é algo do teu interesse. Obrigada e até já!