24. O ELEFANTE NA SALA

 

Vou-te contar uma coisa. É mesmo importante só tu é que podes saber. Tenho isto aqui atravessado e preciso mesmo desabafar contigo.”  E sem saberes como nem porquê, ficas com uma bomba ou uma prenda nas mãos.

Os segredos ocupam mais espaço do que o pensamento. Assemelham-se a balões cheios que podem rebentar com um movimento brusco. E enquanto estão cheios, não libertam espaço para os outros processos do nosso discurso interno. Porque tudo passa a girar à volta desse frágil balão. Com o passar do tempo os segredos perdem a tonicidade, o balão murcha e o ar acaba inevitavelmente por sair. Sem o esplendor do balão cheio quando esvazia e recheado de nada quando o seu ar já se esgotou. 

Nas famílias, organizações ou em qualquer grupo de pessoas que convivem regularmente, o segredo segmenta. Separa os bons dos maus, os informados dos ignorantes, os mais dos menos. 

Há pessoas que adoram segredos. De tal forma que quando eles não existem, cultivam-nos. Acarinham-nos e ajudam-nos a florescer. Ganham uma espécie de poder de Nome da Rosa do Umberto Eco. Aquele poder inquisidor de quem sabe, de quem detém a arma e é dono dos destinos. 

E estes segredos esgotam-nos e esmagam-nos. Porque a nossa natureza é contar. Partilhar. 

Para os sedentos de atenção e aprovação, o segredo pode ser um excelente veículo para satisfazer estas necessidades. Quando nos contam algo que apenas os privilegiados sabem, sentimo-nos a subir no ranking. Quando há algo de que todos falam e sabem mas eu não sei, sou esmagada na minha pequenez e insignificância. Porque não tenho o que é preciso para saber. Não sou fidedigna o suficiente para manter o segredo, inteligente para compreendê-lo ou controlada para geri-lo. 

E tal como a areia, os segredos fogem-nos pelos dedos das mãos. Atraiçoam-nos. Nas palavras insinuadas ou não ditas, nos olhares, nas atitudes. É como o elefante na sala que todos sabem que existe, mas ninguém vê. E aqui reside a maior mentira de todas. A que tentamos contar para manter o segredo na sua clausura.

“Com a verdade me matas”. Mas com o segredo, torturas-me vezes e vezes sem conta. 

Há grupos mais propensos a esta dinâmica. Onde os olhares cruzados são frequentes e as meias palavras abundam. Há sempre algo que fica por dizer, ou o que se diz tem tantos rodeios, cruzamentos e intersecções, que no final não se percebe a mensagem. Afinal isto era mesmo sobre o quê? Dizem os mais distraídos.

Quem vive uma vida de segredos, não distingue as verdades. Os meios justificam os fins. A complexidade que se cria na comunicação e a falta de clareza estão sempre presentes. Mesmo que não exista nenhum segredo. Porque o hábito de esconder, alimenta a crença de que nunca se pode dizer as coisas como elas são. A estratégia na comunicação passa a ser contornar, ludibriar, divergir. Porque há sempre alguma coisa que os outros não podem saber. 

Segredo e verdade andam de mãos dadas. A honestidade é o veículo que permite honrá-los. A integridade, o meio que lhes dá corpo e transforma numa mensagem onde pomos em comum. Sem fantasmas ou bloqueios. Porque ao fim do dia, todos queremos contar. E todos precisamos de saber.

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