23. PELA BOCA MORRE O PEIXE

 

“Não posso. Não consigo. Tenho que…” Expressões que abundam o nosso discurso interno. Para as coisas mais triviais da vida – “Tenho que colocar o lixo no contentor” – e para as coisas mais complexas – “Não posso continuar a perder as estribeiras quando falo com o João.”

Quando usamos estas expressões, parece que estamos a identificar objetivos e a definir prioridades. Ter de, precisar de, necessitar de alguma coisa, sinaliza necessidades e coloca um sentido de obrigação que pode ter um efeito perverso. Quando confundimos tarefas triviais e obrigações com necessidades, podemos estar a contar mentiras a nós próprios. As necessidades são coisas sem as quais não conseguimos sobreviver – respirar, dormir, comer, conectar. E as tarefas ou ações na nossa lista, podem ser percepcionadas como obrigações, mas dificilmente são necessidades. O caminho alternativo, poderá ser pararmos de nos pressionar com coisas que achamos fundamentais para a nossa sobrevivência. E que na realidade não são.

Melhor ainda, podemos parar de olhar para as nossas escolhas como obrigações. Principalmente para aqueles que gostam de uma certa oposição, irão fazê-lo contra si próprios se usarem com frequência este tipo de discurso interno. Em vez de Eu tenho que controlar a minha reatividade, experimenta Eu quero controlar a minha reatividade. E se eu quiser, passa a ser uma escolha.

Quando falamos como se fôssemos forçados, obrigados ou incapazes estamos a sinalizar a forma como pensamos. Se pensamos desta forma, os nossos sentimentos e comportamentos serão congruentes. Frustação, incapacidade, falha, sobrecarga. Percepção de falta de controlo. E uma das consequências lógicas em termos de resposta, é a procrastinação.

Outra rasteira que funciona como uma mentira interna: Estou a tentar. Ou Hei-de fazer, como tantas vezes ouvi em Moçambique. Se disser estou a tentar perder peso, na realidade não tenho que o fazer. Porque estou a criar espaço para que nada aconteça. Mas a percepção com que fico é que fiz alguma coisa. E por isso muitas vezes verbalizamos já tentei de tudo mas nada resulta. Tentar é mentir. Ou estamos a fazer alguma coisa ou não estamos. Dizer que vou tentar ou dizer que vou fazer, são intenções distintas com resultados diferentes. E o problema é que convencemo-nos de que tentar é o mesmo que fazer. Neste caso, a probabilidade de insucesso está praticamente garantida. 

É complicado não é? Frase segura que tal como tantas outras suporta os argumentos para não fazermos nada, justificando o estado perpétuo em que nos encontramos.
Só há uma forma de ‘complicado’ para o que não queremos fazer e essa acontece inteiramente na nossa cabeça. E quando a alimentamos, ela cresce e traz consigo outras roupagens: “É difícil. não consigo. É impossível.” 

Outro forma de expressão frequente – muito mais do que o desejável – é o uso de frases que começam por “Não, mas.” Ou com qualquer uma destas palavras em separado. Curiosamente, uma puxa com frequência pela outra. Ou seja, quem usa o MAS regularmente, é também um utilizador assíduo do NÃO. Mas qual é o problema? Imaginem que estamos a conversar. E de cada vez que eu te quero dizer alguma coisa, começo com MAS. O que sentes de alguém que fala contigo assim? Provavelmente resistência. Usar o MAS, é afirmar que não é bem assim. Que há outras formas. Ou que eu sei melhor. Ou que não estou disponível para ouvir e aceitar o que tens para dizer. 

Estas são algumas das muitas expressões que estão baseadas no medo. A linguagem do medo que aprendemos, é a linguagem da resistência. Se estamos a resistir, colocamos todo o nosso esforço em certificarmo-nos de que nada acontece. Negamos o crescimento e a curiosidade. Revolvemos mas não evoluímos, acabando por bloquear as nossas oportunidades para a mudança.

Então o que podemos fazer de diferente? Experimenta olhar para as expressões que usas como se te ouvisses a falar pela primeira vez. Procura os teus padrões na forma como falas e descobre a forma surpreendente como eles traduzem tanto o que pensas e aquilo em que acreditas. E experimenta palavras novas.
Quando trabalho os temas da comunicação, relações interpessoais e conflito, costumo dinamizar um exercício que tem tanto de divertido como de complexo. Peço às pessoas para iniciarem um diálogo onde a palavra NÃO não pode ser usada. A maior parte dos diálogos duram escassos segundos. E são poucos os que se prolongam para além de 2 minutos. O passo seguinte, é pedir-lhes para treinar não usar esta palavra no seu dia a dia. E é extremamente difícil. Porque a nossa língua está recheada de frases aprendidas que começam com o Não: “Não se quer sentar? Não quer comer alguma coisa? Não se esqueçam dos trabalhos de casa!” Neste último exemplo, a probabilidade de esquecimento é gigante porque é aí que colocamos o foco. No negativo. No que não queremos que aconteça. Por isso, experimenta nem que seja só por diversão, não usar o NÃO. 
Se quiseres o próximo nível, experimenta o mesmo exercício para o MAS :).

Somos seres sociais e aprendemos por imitação. Ou seja, em alguns nichos específicos, há linguagens dominantes com efeito de contágio e de escalabilidade. Mesmo sem nos apercebermos, usamos as expressões uns dos outros, criamos novas formas de falar e transportamos esses códigos. Podem tornar-se quase uma praga pela facilidade com que contagiam todos à sua volta. Os nossos humoristas têm um poder extraordinário de nos colocar a todos a usar no dia a dia as suas expressões mais frequentes.
E não há nada de mal nisso. Desde que pela boca não morra o peixe!

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