21. VESTIR A CAMISOLA

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Pensa em todas as camisolas que já usaste. No sentido figurativo. Os símbolos, cores, imagens, mensagens que vestiste ou vestes e que representam a tua ligação a alguma coisa. Pensa ainda nas crenças que são de tal forma importantes para ti que as trazes orgulhosamente ao pescoço, tais como símbolos religiosos ou ideológicos. 

Quando usamos símbolos, há algo em nós que se completa. Sentimo-nos integrados e parte de alguma coisa maior do que nós próprios. Estes símbolos, marcam o sentido de pertença a um grupo, organização, equipa, crença ou ideologia. Ajudam-nos a afirmar a nossa identidade e a conectar-nos com alguma coisa de valor para nós. Permitem-nos satisfazer uma das necessidades basilares do ser humano: a pertença. 
É normal pertencermos a vários grupos ao longo da vida. Em fases distintas ou em simultâneo. E há camisolas que vestimos para a vida. Porque marcam de tal forma quem somos e o que defendemos que funcionam como uma tatuagem. Os adeptos de clubes desportivos conhecem bem este fenómeno tão popular e visível, principalmente no futebol.  
O meu filho quando veio ao mundo, recebeu o seu cartão de sócio do Sporting Clube de Portugal antes da cédula de nascimento! Oferta do bisavô Teixeirocas, ferranho incondicional, que nos contagiou a todos desde muito cedo com a sua paixão. Hoje, com os seus 94 anos, continua a mostrar o brilho nos olhos cada vez que o tema inclui leões. 
Foi também com o meu avô que aprendi os benefícios desta garra. De defendermos incondicionalmente e orgulhosamente a nossa cor, simplesmente porque sim.
Mais tarde, a sociedade ensinou-me a segmentar. A cor que escolhes, faz de ti um determinado tipo de pessoa. Faz de ti parte de uma facção, diferente das outras pelas suas características verdadeiramente únicas e especiais. Curiosamente, o que leva a assumir essas diferenças entre cores, são os denominadores comuns de todos os que as envergam, independentemente do clube ou crença. Os argumentos para se estar num grupo e não noutro, a paixão levada por vezes aos extremos da obsessão e fanatismo segmentam-nos e separam-nos. Nas semelhanças e nas diferentes formas de idolatrar as camisolas que vestimos. 
“Um bom chefe de família tem que ser sportinguista.” Já ouviste isto certo? Porque aplica-se a todos os clubes. A ideia de base é a mesma: ou estás connosco ou contra nós – com os outros, os que não prestam. Nós é que somos bons.  
A ligação fervorosa à tribo com tudo o que tem de bom, também traz consequências negativas que felizmente também fui aprendendo. 
Aqui entra o efeito perverso de vestirmos a camisola, pelo menos na versão extremista da coisa. Quando a nossa interação com as outras cores ou crenças se traduz numa batalha em que queremos provar que a nossa é melhor, tornamo-nos nadadores no nosso lago estagnado de pensamento. Perdemos uma excelente oportunidade de aprender novas perspetivas e reciclar o nosso lago estagnado de convicções. Vestir uma ou mais camisolas não nos deve impedir de conhecer as outras e abraçar discussões saudáveis para aprendizagem mútua. Se em vez disto o que queremos fazer é provar que temos razão, somos melhores ou sabemos mais, não vamos aprender nada de novo. E com o passar do tempo, a nossa camisola fica gasta, desbotada e sem brilho. Estagnada tal como o lago de pensamentos com a sua água parada.
A camisola mais recente que orgulhosamente visto – Badassladies – resultou da magia da criação de uma nova tribo. A Orientação uniu-nos – apesar de representarmos clubes diferentes. A paixão pela natureza e correr por trilhos, foi o pretexto, apesar de cada uma ter o seu ritmo. Os treinos fabulosos nas florestas e arribas do Concelho de Sintra, aproximaram-nos durante os meses mais restritivos do confinamento. Apesar de atualmente, termos pessoas de vários concelhos. E esta tribo é alimentada pela cultura que continuamos a construir, num grupo aberto, inclusivo e que abraça as dores, lutas e vitórias de cada uma independentemente das circunstâncias. No STE – Montepio Sintra Trail X’treme, estreámos a nossa camisola. Com entusiasmo contagiante e o orgulho espelhado nos nossos narizes empinados.
Visto orgulhosamente outras camisolas. A Orientação é uma delas. Modalidade desportiva que me moldou e me tem ensinado as melhores lições ao longo de 36 anos sobre como encontrar o rumo na adversidade e em meios desconhecidos. Jamais conseguirei quantificar o quanto esta camisola que vesti para a vida tem influenciado quem sou e as escolhas que faço. Se quiserem saber quem é orientista de coração, reparem nas balizas de orientação que trazemos orgulhosamente penduradas nos espelhos retrovisores dos nossos carros. Quando nos cruzamos na estrada, sentimos aquele pico de adrenalina por ter encontrado um dos nossos: “Olha! Aquele também é da Orientação!” Reparem que não dizemos também faz orientação, mas também é. Pertence. Faz parte. Passamos a ser das camisolas que vestimos. Elas moldam-nos efetivamente e transformam quem somos e como agimos. 
Há efetivamente camisolas que se vestem para a vida – “Once a Pressley Ridger, always a Pressley Ridger.” Sentimento comum entre as pessoas que tal como eu passaram pela Pressley Ridge, independentemente de terem sido clientes, parceiros ou colaboradores. A prova de que as organizações e principalmente a sua cultura, podem ajudar-nos a querer ser melhores e a abraçar um compromisso não só com a contribuição para o mundo, mas para connosco. Há camisolas que se transformam em tatuagens no coração. E a Pressley Ridge é uma delas.
Há praticamente um universo atrás, tive o privilégio de vestir a camisola de Portugal. Fiz parte da seleção nacional de Orientação e representei o nosso país em vários campeonatos do mundo e internacionais. Considero que representar o país é uma das maiores honras e responsabilidades que podemos ter. Porque tudo o que fazemos ou dizemos quando estamos lá fora, passa uma mensagem de quem são e como são os portugueses. Quem não tiver outras referências do nosso povo e do nosso país, vai encaixar  o que significa Portugal em tudo o que eu mostrar. Já não é só a Kátia com a bandeira do país, mas toda uma nação que transporto comigo nas cores que visto. E este é um estandarte mesmo muito grande e pesado de carregar. E todos nós numa escala maior ou menor fazemos isso com as camisolas que vestimos.  
 
Na história do Harry Potter, brilhantemente escrita por J.K. Rowling, é o chapéu pensador que decide a que equipa cada aluno irá pertencer, de acordo com as suas características e aptidões. É a verdadeira prova de fogo em que os alunos ficam à mercê da avaliação do dito chapéu para saber qual será a sua equipa para a vida. Que será determinante para a pessoa em que ele ou ela se irá transformar. Pensem nos processos de seleção a que somos sujeitos e nas coisas pelas quais lutamos, para entrar num determinado lugar ou fazer parte de um determinado contexto ou grupo. E pensem igualmente nas nossas motivações e na influência que estes grupos têm ao longo do tempo na pessoa que somos. Felizmente, em muitas situações podemos escolher. E quando o fazemos, somos quase sempre movidos pela atratividade por outros tal como nós. É o que nos dá segurança e a sensação de que encontrámos o nosso lugar. Este fenómeno não nos deve impedir de criar oportunidades para estar com os outros mais diferentes de nós e encontrar formas de abraçar essas diferenças com abertura, curiosidade e empatia.
Por ísso, da próxima vez que vestires uma camisola independentemente do contexto ou propósito, escolhe-a bem. Veste-a com o coração e disfruta da magia de pertenceres, sem perderes de vista o elogio da diferença e as oportunidades de aprendizagem com as camisolas que não escolhes para ti.
*Fotografia tirada por Sérgio Henriques
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