Ainda hoje quando faço viagens de avião, sinto um desconforto enorme quando nas instruções de segurança nos informam que em situação de emergência e se saírem as máscaras de oxigénio, temos que colocar sempre e primeiro a nossa antes de ajudar a criança sentada ao lado. Apesar de racionalmente compreender a razão, o meu condicionamento faz-me acreditar que devemos ajudar sempre os outros primeiro. E só depois cuidar de nós.
Apesar de tudo, no caso do avião parece-me fácil compreender que só com o suporte de oxigénio fácil e rápido de colocar, estarei em condições de ajudar sem pôr em risco a vida de todos.
Então porque é que no dia a dia arriscamos tanto a nossa existência para responder aos outros, acabando por colocar em causa a nossa sobrevivência e inevitavelmente a dos outros à nossa volta? Tal como no exemplo do avião? O que aconteceria se escolhêssemos não usar a máscara e privar-nos do suporte de vida mais importante naquele momento? E não é isso o que escolhemos fazer tantas vezes nas nossas vidas? Negligenciar as necessidades de sono, alimentação, exercício e tantas outras igualmente basilares como a pertença ou a mestria. É frequente ouvir pessoas a dizer que adoram ler, aprender, estar com amigos, mas já não se lembram da última vez que dedicaram tempo a estas atividades. A ler um livro só porque sim, ou simplesmente a telefonar a um amigo.
Enquanto não aprendermos a responder às nossas necessidades sem culpa ou remorso, não vamos estar disponíveis para responder às dos outros. Mesmo que a nossa vida seja pautada por experiências de entrega e serviço. O “lado negro” de dar sem a preocupação do auto cuidado, é que estamos a dar de um ponto de partida de escassez. É como se oferecêssemos as máscaras do avião, mas sem o oxigénio. Essa escassez vem da privação de nós próprios, do bloqueio à felicidade e à satisfação pessoal. Contudo, se não formos verdadeiramente felizes, não conseguimos verdadeiramente dar. Seja o que for. Porque em algum momento o ressentimento, a solidão ou o sentimento de injustiça ocupam a nossa existência, não porque estamos a dar tudo, mas porque no processo nos esquecemos de nós e entramos em verdadeira privação de oxigénio.
Por isso pergunto-te: o que farias se fosses super egoísta? Qual a primeira coisa que te vem à cabeça? E a seguir o que farias? Que necessidades é que não estás a satisfazer?
“Deixava de cozinhar 3 vezes por dia para toda a gente. Ou deixava de limpar e arrumar a casa da família.” “Passava a trabalhar 7 horas por dia e levava os meus filhos à escola.” “Viajava sozinha pelo mundo.” “Mudava de equipa. Ou de profissão.” “Divorciava-me.” “Mudava-me para outra cidade. Ou país”.
Estes são alguns exemplos de resposta que nos ajudam a perceber a facilidade com que deixamos de responder às nossas necessidades, muitas vezes sob o pretexto de colocar as dos outros em primeiro lugar. Eu não gostaria de ser operada por um cirurgião que não dorme há mais de 30 horas. Ou ter os meus filhos a participar numa expedição na montanha com um instrutor que não transporta a água suficiente para se manter hidratado. Porque quando negligenciamos as nossas necessidades, incluindo as emocionais, psicológicas ou sociais, pomos todos em risco.
Na resposta à minha pergunta, avalia o que não estás a fazer para cuidar de ti. Algo me diz que já sabes a resposta. E mais importante, o que estás disposto a fazer para receberes o suporte e reservas de “oxigénio” que necessitas, por forma a não arriscares mais a tua felicidade e a dos outros à tua volta. Porque só vais estar verdadeiramente disponível para os outros depois de satisfazeres as tuas próprias necessidades.
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